A farsa de Ernest Shackleton e o porquê histórias de liderança não têm graça
O conceito de fallacy of action
Ernest Shackleton e Roald Amundsen, dois exploradores polares que se tornaram ícones de liderança, exemplificam abordagens contrastantes quanto à ação. Shackleton, com sua postura dramática e narrativa heroica, é frequentemente exaltado como o modelo máximo de liderança em tempos de adversidade, enquanto Amundsen, conhecido por sua liderança disciplinada e meticulosa, adotava uma estratégia silenciosa, mas altamente eficaz. Esses casos evidenciam como a preferência pelo visível e ruidoso nem sempre resulta em sucesso.
A "fallacy of action", ou falácia da ação, é uma tendência comum em líderes e suas equipes, especialmente no mundo corporativo. Esse fenômeno descreve a suposição de que um líder é mais eficiente quanto mais visível e ativa for sua postura. Em outras palavras, líderes que estão sempre "nos holofotes" são tidos por exemplares, enquanto os meticulosos e detalhistas muitas vezes não são lembrados. Essa mentalidade pode se tornar uma armadilha perigosa, confundindo movimento com progresso. Somos naturalmente atraídos por figuras de liderança que agem com energia, drama e urgência, frequentemente associando essas qualidades a resultados e sucesso, sem examinar com profundidade o impacto real desse comportamento.
O problema com a falácia da ação
A falácia da ação e seus impactos nas organizações
A tendência de valorizar líderes que estão constantemente em ação, tomando decisões rápidas e promovendo mudanças drásticas, é uma perspectiva problemática no ambiente corporativo. Esse chamado "viés da ação" leva gestores e colaboradores a crerem que liderança se resume a movimentações frequentes e visíveis. No entanto, essa visão não reflete com precisão o que de fato constitui uma liderança eficaz.
Líderes que se orientam exclusivamente por ações rápidas frequentemente tomam decisões precipitadas, sem o devido planejamento estratégico. Isso pode criar um ambiente de trabalho desestabilizado, com mudanças abruptas que, em vez de resolver problemas, geram apenas soluções temporárias e provocam confusão entre as equipes. Com o tempo, essa constante movimentação, sem uma lógica estruturada, tende a minar a confiança entre líderes e suas equipes, gerando desgaste.
Além disso, a exaltação de líderes carismáticos, que fazem grandes gestos públicos, pode desmotivar aqueles que trabalham nos bastidores, garantindo o funcionamento dos processos críticos da empresa. Esses profissionais, apesar de muitas vezes serem discretos, desempenham um papel crucial na manutenção da estabilidade e produtividade organizacional, mas raramente recebem o reconhecimento devido. Ao perpetuar a figura do "líder-herói", subestima-se a contribuição vital desses colaboradores para o sucesso sustentável e o desempenho de longo prazo da organização.
O ciclo vicioso da liderança imperfeita
O ciclo vicioso da liderança imperfeita emerge quando organizações e sociedades passam a valorizar, por conveniência ou miopia, líderes que, embora falhos, obtêm resultados de curto prazo ou tomam decisões chamativas. Muitas vezes, esses líderes são reconhecidos por suas competências questionáveis — como o autoritarismo, a arrogância e a gestão baseada no medo — apenas porque apresentam algum grau de sucesso em situações específicas. O problema dessa dinâmica é que, quando atitudes equivocadas são recompensadas, elas tendem a se replicar e inspirar outros líderes a adotarem comportamentos semelhantes.
Esse ciclo se renova toda vez que tais líderes são celebrados ou promovidos, pois cria-se a percepção de que essas atitudes ineficazes são o caminho para o sucesso. Funcionários e liderados, visualizando esses exemplos como modelos, começam a emular seus comportamentos, repetindo erros e reforçando uma cultura organizacional disfuncional. Organizações que continuam a valorizar resultados aparentes e de curto prazo acima da qualidade da liderança e resultados sólidos caem na armadilha de retroalimentar práticas de gestão que, a longo prazo, comprometem a saúde organizacional e o bem-estar das equipes.
Eventualmente, o ciclo de liderança imperfeita, se não interrompido, pode minar a confiança dos colaboradores, reduzir a criatividade e criar um ambiente onde o medo e a desmotivação predominam. Nessas circunstâncias, a verdadeira liderança — aquela que se baseia em consistência, empatia e orientação sustentável — acaba sendo ofuscada pela liderança de fachada, ampliando o dano sistêmico.
Redefinindo a boa liderança: além da aparência
Gerenciamento “tedioso” vs. espetáculos
O gerenciamento "tedioso" é caracterizado pela consistência, previsibilidade e atenção aos detalhes, focando na entrega real de resultados e solução de problemas cotidianos. Ao contrário da liderança voltada para grandes gestos heroicos e espetáculos, o gestor meticuloso e estratégico constrói uma base sólida para a organização, mesmo que seu estilo não pareça empolgante ou glamouroso.
Em vez de buscar marcos grandiosos para impressionar a curto prazo, essa liderança concentra-se em garantir que os processos internos funcionem harmoniosamente, que as operações fluam adequadamente e que a equipe receba suporte constante. O foco está em monitorar métricas, ajustar processos e resolver questões pontuais, priorizando a eficácia organizacional sustentável sobre iniciativas que podem servir mais ao ego do que ao sucesso
O sucesso de Amundsen e a liderança problemática de Shackleton
Roald Amundsen e Ernest Shackleton são frequentemente lembrados pela mesma grande realização: suas expedições à Antártica. No entanto, os resultados dessas jornadas, e o impacto das lideranças de ambos, foram marcadamente diferentes e oferecem lições valiosas sobre o verdadeiro significado de liderança eficaz no mundo dos negócios.
Amundsen, reconhecido como o primeiro a liderar uma expedição que alcançou o Polo Sul, adotou uma postura metódica e extremamente planejada ao preparar sua missão. Cada detalhe foi minuciosamente considerado, desde os suprimentos necessários até a escolha dos cães puxadores de trenó, que eram mais adequados ao gelo do que os pôneis, usados por vários outros exploradores. Sob sua liderança, a expedição foi relativamente tranquila, sem que sua equipe tivesse que enfrentar grandes dramas ou riscos extremos. Amundsen apostava em processos bem estabelecidos e no sucesso por meio de medidas preventivas, ao invés de confiar apenas na resposta rápida a crises.
Por outro lado, Shackleton, embora celebrado por sua capacidade de manter a moral de sua equipe em tempos de adversidade, é conhecido pelo gigantesco fracasso de sua tentativa de atravessar a Antártica. Sua liderança se destacou por decisões impulsivas e frequentemente problemáticas, muitas vezes tomadas num esforço para manter ou recuperar o controle em meio às crescentes dificuldades. Suas aventuras, por mais dramáticas e heroicas que tenham sido, colocaram sua equipe em constantes riscos. Mais dependente de sua capacidade de reagir aos imprevistos do que de um plano meticuloso, Shackleton fez escolhas que, em última análise, aumentaram o perigo para todos.
A lição aqui é clara: apesar de Shackleton ter saído dessas situações como herói perante a mídia e a opinião pública, é o sucesso de Amundsen que nos ensina o valor da preparação rigorosa e de uma liderança preocupada com processos. O primeiro avançou pela mente analítica e controle metodológico; o segundo confiou em seu carisma e habilidade de improvisação, o que, embora tenha salvado sua tripulação das piores tragédias, não impediu que as dificuldades criadas pela falta de previsão surgissem.
Identificando verdadeiros líderes: mudando nossa perspectiva
Como reconhecer e valorizar líderes eficazes
Reconhecer e valorizar líderes eficazes pode ser mais complicado do que parece, especialmente em um ambiente que frequentemente glorifica carisma, discursos inspiradores ou grandes gestos emocionais. No entanto, como a experiência em diferentes empreendimentos demonstra, liderança eficaz vai além da retórica. Trata-se de uma gestão cuidadosa, bom planejamento e da garantia de que os processos sejam seguidos de forma consistente e confiável.
Embora líderes carismáticos possam atrair mais atenção, a verdadeira liderança eficaz é aquela que se baseia em planejamento sólido e atenção aos detalhes logísticos, sem floreios. Para identificar esses líderes de forma mais clara, uma abordagem útil é utilizar um modelo de gestão que equilibre tanto as metas estratégicas quanto a adesão à cultura organizacional. Avaliar não apenas o alcance dos objetivos, mas também como esses líderes preservam e promovem os valores da empresa, torna viável distinguir quem consegue ter alta performance sem minar o ambiente coletivo. Esse modelo de avaliação permite um olhar mais completo sobre o impacto dos líderes na organização, reconhecendo tanto suas conquistas quanto seu papel na manutenção de uma cultura saudável.
Esses líderes, muitas vezes subestimados, fornecem estrutura, antecipam problemas e orientam suas equipes com clareza. Eles podem não ter o mesmo prestígio imediato, mas são essenciais para o sucesso organizacional, priorizando o trabalho em equipe e evitando distrações que possam desviar o foco dos objetivos centrais.
Para valorizá-los, é importante reconhecer essas habilidades "menos glamorosas" e destacar a importância do trabalho metódico e consistente. Muitas vezes, esses líderes não buscam reconhecimento público, mas suas contribuições são fundamentais. Incentivar esse estilo de liderança pode ser tão simples quanto oferecer um reconhecimento pontual, seja em reuniões, feedbacks individuais ou em conversas informais no trabalho.
Por mais líderes "sem graça"
O contraste entre Ernest Shackleton e Roald Amundsen exemplifica com clareza duas abordagens distintas à liderança. Shackleton, amplamente celebrado como um "herói de ação", é lembrado por sua resposta dramática e carismática a uma crise histórica. Quando sua expedição ao Ártico enfrentou adversidades extremas, com o navio preso no gelo, ele manteve sua tripulação unida e sobreviveu graças a uma liderança inspiradora e resiliente, ainda que, por vezes, marcada por decisões impulsivas e arriscadas (que foram a própria causa dos problemas enfrentados). Sua história de sobrevivência heroica e superação faz dele um modelo muito admirado.
Em contrapartida, Roald Amundsen, que liderou a primeira expedição bem-sucedida ao Polo Sul, adotou um estilo de liderança muito mais meticuloso e discreto. Como estrategista, Amundsen priorizava preparação, planejamento rigoroso e execução cuidadosa. Diferente de Shackleton, que enfrentava o inesperado, Amundsen garantia que surpresas fossem minimizadas. Seu sucesso foi alcançado por meio de um criterioso estudo das condições, da escolha precisa de rotas, e do uso eficiente de recursos, como trenós e cães. Embora sua expedição não tenha sido acompanhada de momentos heroicos dramáticos, também não houve perdas de vidas ou crises. O triunfo de Amundsen foi silencioso e meticulosamente planejado.
Esse contraste destaca a diferença entre o líder carismático de ações heroicas, que brilha em momentos de crise (muitas vezes auto-inflingidas), e o líder eficaz, que preza pela consistência e evita surpresas, operando muitas vezes longe dos holofotes. Enquanto o mundo tende a celebrar o "herói de ação" como Shackleton, o legado de Amundsen demonstra que o verdadeiro sucesso está em uma liderança sólida e duradoura, baseada em planejamento e execução silenciosa. A longa duração de seus resultados ressalta que a liderança eficaz não precisa ser dramática; ela se manifesta em detalhes planejados e na segura realização dos objetivos, gerando impactos sustentáveis sem fanfarras.